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terça-feira, 20 de junho de 2017

Inevitáveis testemunhos de Pedrógão








   Depois das coisas acontecerem, é quase irresistível refletir sobre o que teria sido se as coisas fossem feitas de forma diferente. Mas a verdade dos testemunhos que todos estes dias fomos ouvindo por parte dos populares que viviam em Pedrógão Grande e arredores obrigam-nos a fazer essa reflexão, porque não podemos aceitar que passado mais de 30 anos sobre o incêndio de Armamar possamos voltar a ter tantas perdas humanas, de forma tão trágica e tão pouco compreensível. Sim, tão pouco compreensível, porque por muito que quem quer que seja venha-nos dizer que fez-se o máximo que se podia fazer, isso não é verdade, e os testemunhos das pessoas e as falhas provam isso mesmo. 
     Sinceramente, o que mais arrepia e deixa a pensar um país aqui são os testemunhos das pessoas que tentaram e conseguiram sobreviver, e são vários aqueles que afirmam que chamaram bombeiros e ninguém apareceu; que foi a GNR que disse às pessoas para irem por aquele estrada (estrada que vitimou 47 pessoas); que avisaram já depois da tragédia que havia pessoas idosas sozinhas e isoladas e que morreram sozinhas, abandonadas e carbonizadas. E porque razão as comunicações falharam? Porque razão não houveram estradas cortadas ? Porque razão faltaram pessoas que percebam das florestas ? Porque razão deixaram morrer-se pessoas nas suas aldeias carbonizadas ? Será que podemos aceitar isto assim de ânimo leve? Seria um grande erro se fosse feito. 
   Talvez nestas coisas nem sempre a racionalidade opera, e, nada disto que precisa de ser reflectido e invertido (sim não precisa agora de apuramentos porque maioria das pessoas sabe onde estão as falhas e desde 1965 que estão identificadas e são as mesmas) tem a ver com o papel que deve ser sempre enaltecido dos bravos bombeiros. Os bombeiros fizeram o seu trabalho e deram o seu melhor, como sempre o fazem, mas isso não deve ser o "tapa olhos" relativamente a todas as falhas que existem à sua volta, porque infelizmente, sem saberem, muitas vezes, os bombeiros e toda a sua bravura são o escape daqueles a quem devemos acarretar responsabilidades.
   Infelizmente, desde 1965, quando foi elaborado o relatório dobre "Princípios básicos da luta contra incêndios na floresta privada portuguesa", que se discute o problema e fala-se na importância do planeamento florestal e na adopção de sistemas de prevenção e combate assentes na profissionalização dos seus agentes. Por exemplo, fará sentido, quando existe um incêndio, vermos as pessoas a fugir de suas casas sem qualquer sentido de orientação e, mais grave, serem orientadas por elementos da GNR de forma completamente errada (como aconteceu neste incêndio)? Por exemplo, porque não há faixas de segurança em torno das habitações? E porque não existem locais seguros identificados pelas autoridades ou destacados no terreno para as pessoas fugirem dos fogos? São medidas como estas que talvez pudessem representar uma evolução relativamente ao passado, mas não é isso que acontece. O que vemos são pessoas a morrerem isoladas nas suas aldeias, por falta de assistência, querendo-nos convencer que não era possível fazer nada, mas eu não fiquei convencido, e espero, que como eu, sejamos mais a pensar desta forma, porque se hoje, com os meios disponíveis, as pessoas qualificadas, e o conhecimento que temos não conseguimos evitar estas situações, quando vamos conseguir?



domingo, 18 de junho de 2017

Tragédia sem voz


Pedrógão Grande



   Profundamente chocado. Eu ainda não acredito, e talvez demore acreditar que tenham morrido 61 pessoas num incêndio aqui tão perto de nós, tão perto dos nossos corações. Sem comunicações, isolados no tempo e no mundo, centenas de habitantes desta vila que poucos conheciam até ao momento da tragédia não puderam sequer pegar num telefone e ligar a um familiar ou amigo. Ver pessoas que perderam as suas vidas carbonizados ao tentarem fugir numa via de circulação é doloroso e reduz drasticamente qualquer apelo humano que possa ser feito, perante tal brutal perda.
   Uma tragédia que fez do silêncio a sua principal arma, retirando o pouco que já havia para tirar a gentes que são o rosto de um país isolado, cercado por floresta abandonada, que poucos querem saber, onde as portas estão sempre abertas, e a voz é pouco ouvida, sendo que desta vez foi mesmo calada, da pior forma, sem dignidade.
   Um combate desigual, onde de um lado, dizem que existe muito apoio e nada mais seria possível fazer, e do outro ouvimos as vozes roucas dos poucos que sobreviveram, queixando-se da falta de ajuda e de apoio, dizendo que ninguém lhes foi socorrer, ficando entregues uns aos outros, desorientados e acreditando no milagre da sobrevivência.
   Resta o sentimento, estarmos todos juntos a pensar nas vítimas desta triste tragédia.


quinta-feira, 1 de junho de 2017

Colaboração Premiada








   A figura da colaboração premiada, inspirada no nosso país irmão, o Brasil, está nas propostas de trabalho do grupo do Pacto para a Justiça. Na verdade, isto consiste em premiar alguém que colabore com a investigação criminal, mas a atenuação da pena já não será suficiente para nosso sistema? Em que termos a colaboração de um arguido na investigação criminal poderá isentar a sua pena ou mesmo suspendê-la? 
   À primeira vista, parece-me um tema que necessita de um amplo debate, para não cairmos na tentação de premiar a mentira, as denúncias falsas. Nós já contemplamos no nosso sistema a figura da especial atenuação da pena para quem colabore com a Justiça, e mesmo que esse benefício só seja aplicado na fase de julgamento, um "arrependido" que comece logo a trabalhar e colaborar desde início com a investigação tem outro tratamento, e, aqui ao instituirmos e formalizarmos esse tratamento, poderemos ganhar prova, mas perder segurança jurídica se não houver uma definição exacta dos termos em que arguido será beneficiado com a sua colaboração. 
   Por outro lado, todos nós, mesmo aqueles que não são agentes da justiça, têm conhecimento que os grandes processo de combate à Máfia não teriam existido se alguns dos seus membros não tivessem falado e explicado detalhes da sua organização criminosa. Mas também, no Brasil, temos recentemente um caso em que podemos avaliar esta figura, acerca do processo Lava Jacto. Neste caso no início foram redigidos 18 acordos escritos de colaboração, e a Justiça Brasileira diz que foi graças a esses acordos que foram recuperados milhões de euros e investigados dezenas de pessoas, embora aos olhos da comunidade internacional, o sucesso do caso ainda está por provar.
   Sinceramente, acho que não estamos preparados para implementar a colaboração premiada nos mesmos moldes que existe no Brasil, e a ser pensada a sua introdução, seria necessário um amplo consenso, discussão, estudo e inclusivé colaboração com países como E.U.A, Espanha e Itália, a par do Brasil, onde já existe para o combate à criminalidade grave, que é a finalidade desta figura. Seria uma prenda para o Ministério Público, mas com as constantes fugas do segredo de justiça, exigiria outra cultura, e teria de haver uma definição ao milímetro de todo o procedimento de colaboração e sua premiação, sob pena de termos o nome e a cara do "bufo" na CMTV ao mesmo tempo que este colabora com a investigação.