Um dia, numa discussão com uma caríssima e estimada colega da área, ela dizia-me : "eu acho que aquele que furta uma coisa de pequeno valor, numa situação limite, tenho dúvidas da sua punição". Eu, estupefacto, respondi-lhe, com todo o respeito : " Caríssima, se assim fosse, nada nem ninguém seria controlado, e, teríamos uma Primavera Ocidental, onde o liberalismo se tornaria radical e a liberdade individual do indivíduo seria defendida no seu todo, sem limites, porque quando queremos criar justiça, entendo que não devemos destruir leis, porque quando estamos a exigir a um tipo de ilícito criminal como o furto simples, que já dependia de queixa, que passe a ter natureza particular, estamos a legalizar o crime, e, a permitir a um indivíduo que furtar (diferente de roubar) uma garrafa de whisky 8 anos num estabelecimento comercial de pequena dimensão, no valor de 60 euros, seja protegido pela lei, uma vez que, o lesado, com esta nova tipificação legal, passe a ter que para ver ressarcido um direito legal que lhe assiste, tenha que pagar 102 euros (UC), uma vez que o crime passa a ser de natureza particular, o que exige o pagamento de uma taxa de justiça, na sua constituição como assistente (artigo 519º Código de Processo Penal e artigo 80º Código de Regulamento das Custas Processuais)."
Considero e concordo que são bagatelas penais, casos como o que opôs o Sem-Abrigo ao Pingo Doce, em que o Estado gastou muito dinheiro, mas não acho que seja um caminho assertivo, para inverter este tipo de casos, elevar os custos judiciais do ofendido, vitima de furto, que apenas quer invocar um direito que lhe assiste. Soluções como a criação dos "Julgados de Paz" parecem mais equilibradas e justas.
Diversas pessoas ficam sem perceber, e com razão, qual a diferença entre tornar um furto simples semi-publico em particular ? A diferença reside no facto de ao passar a ser de natureza particular, o ofendido terá de pagar uma taxa de justiça de 102 euros. Sera equilibrado, proporcional, adequado que um individuo, vitima de furto de um objecto no valor de 60, como anteriormente referi, para ver ressarcido o seu direito, tenha que constituir advogado, que a lei exige, e, pagar 102 euros de taxa de justiça ?
Estava no primeiro ano de faculdade na Universidade Católica, quando, aprendi, embora, em virtude da minha formação católica, já tenha esses valores comigo ao longo da vida, que o Direito tem uma função moral e uma função ordenadora, de disciplina da vida em sociedade. A moral ensina-nos a estar de uma determinada maneira na sociedade, a não precisar de uma norma jurídica para obedecer a determinado comportamento, porque quem, como eu, se rege pela moral, pelos bons costumes, por um Código de Conduta subordinado a princípios e valores derivados de uma religião, não necessita de normas para agir de forma correcta em sociedade.
Isto para tentar ilustrar, que, o Direito nasce da moral, ambos são normas de comportamento, e o Direito surgiu para disciplinar as pessoas e a sociedade, mais igualdade, e, não devemos usurpar essa função do direito, porque ao colocarmos barreiras no acesso ao sistema de justiça, como hoje em Portugal se faz, através das elevadas custas judiciais, estamos a ofender a dignidade das pessoas, e impedir as pessoas com menos possibilidades económicas de poderem defender os seus direitos, quando esses são violados.