Pesquisar neste blogue

terça-feira, 24 de maio de 2016

Amiga "Linda", a sem-abrigo que nos deixou

   




   Vivia longe dos holofotes da realidade, viva isolada numa vida que poucos entendiam, vivia desprezada por aqueles que um dia tanto ajudou, vivia uma mágoa dentro de si que ofuscava qualquer memória, vivia um dia-a-dia diferente, vivia na ansiedade de poder um dia ter um acordar diferente, vivia na angústia e no medo de não saber o que a esperava, vivia na fronteira das ajudas, viva ali sentada num banco de uma paragem de autocarros, mas tinha sempre um sorriso quando me via, e mesmo quando eu estava com pressa, gritava ou chegava mesmo até a correr para vir ao meu encontro.
   Hoje, quando me ligaram e soube do seu falecimento, fiquei profundamente triste. Ainda não sei qual a razão, o que se passou, mas sei que podia ter sido diferente. A "Linda" era uma sem abrigo que vivia na paragem em frente ao McDonald`s do Hospital São João, ali passava seus dias, na ânsia de que algo mudasse, de que a vida lhe proporcionasse uns dias melhores, apenas isso. Ultimamente tínhamos falado muito, e estava tudo encaminhado para poder ter lugar no albergue o mais rápido possível. A última vez que estive com ela, fui com ela pagar-lhe uma sopa, dei-lhe um dinheiro para ir comer qualquer coisa, e, ela expressava-me que esperava por um lugar no albergue. Lembro-me que no fim, quando já íamos embora, ela disse-me: "fui abandonada por toda a gente", num tom triste e de sofrimento, mas onde ainda havia lugar para o tradicional e tão bom sorriso de agradecimento, camuflado por uma alegria ensombrada por uma vida onde fora condenada e encostada, uma vida que a colocou desligada e frágil perante todos, e à vista de todos, como uma forma de humilhação pública, numa paragem de autocarros. 
   Quando paro para pensar, penso e aprendi cedo que aquilo que toca aos outros, em parte também nos deve tocar a nós, porque afinal fazemos todos parte do mesmo, de um mundo perecível, que mais cedo ou mais tarde desaparece, pelo menos à vista de cada um. 
   Sei sempre que podia ter sido feito mais, mas, sei que parei, fui ao encontro, estive ao seu lado muitas vezes e fiz algo para mudar a vida desta nossa amiga, e, fico profundamente triste por não ter sido suficiente.
   Até sempre amiga "Linda".