Viragem? Poucos dúvidas restam. Quando os votos no pequenos partidos, acrescentando os nulos e os brancos contabilizam 15%, significa que poderá ser o início de uma viragem do sistema político português. Esse número em 2002 era de 3%, e foi sempre subindo. As questões são variadas, os medos são muitos, mas uma coisa é inegável: todos lá chegaram com os votos dos portugueses, embora uns com mais liberdade de escolha e de expressão, e outros com menos liberdade de escolha e expressão. Uns com mais tempo de antena, e outros com menos. Uns com mais simpatia mediática, e outros com menos. Uns com mais ideias, outros com menos. Mas, será que depois do naufrágio à direita (sobretudo no CDS), a esquerda conseguirá a união tão desejada ou, ao invés, teremos uma retracção do Bloco e jogo estratégico do PCP perante o PS, instrumentalizando-o mas jamais sentando-se a seu lado como foi apanágio estes anos?
Quanto à esquerda, os resultados não foram surpresa, com excepção do Livre e do PAN. O PS venceu, como era esperado. A geringonça, na sua globalidade correu bem, e isso seria muito difícil de destronar. Aumentou o número de deputados, mas não conseguiu o suficiente para poder formar maioria com o PAN ou o Livre, como era sua intenção. Assim, precisará sempre do Bloco ou do PCP, ou, no limite, do PSD.
O Bloco manteve-se. Continua a cativar o seu eleitorado em torno de uma figura carismática: Catarina Martins. E caso assim continue, dificilmente perde o seu eleitorado, a não ser quando a líder sair, um bocado à imagem do que aconteceu com Paulo Portas, no CDS.
O PCP, à esquerda, foi aquele que teve o pior resultado, perdendo vários deputados, e revelando, mais uma vez, que a sucessão terá de ser debatida no seio dos seus, caso contrário, poderá voltar a ter mais insucessos. Não por culpa de Jerónimo de Sousa, porque foi e é um líder com carisma, mas pelo desgaste da sua imagem e de todos os que o rodeiam. A política, como dizia Ronald Reagen deve ser encarada como um cargo temporário, e não como uma carreira para a vida toda. E aí Portugal é um mau exemplo, onde tem imensas pessoas que viveram e vivem exclusivamente da política.
O PAN foi um dos vencedores da noite. Há muita gente que lida mal com o surgimento e o crescimento deste partido, mas ele foi e é bom para o sistema democrático. Ajudou a sensibilizar o país para questões pouco debatidas e mais importante - com pouco interesse em ser discutidas pelos partidos de regime - e isso tem o seu mérito. Não podemos confundir as coisas, embora existam coisas utópicas e que necessitam de trabalho, acho que a sensibilização para determinadas questões é positivo, sem radicalismos. Por exemplo, refiro-me à medida de acabar com a carne na cantina da Universidade de Coimbra. Tem haver porporcionalidade e adequação das medidas, e acima de tudo, estudo.
O Livre também foi um dos vencedores, porque conseguiu eleger um deputado. Tem ideias similares aos partidos que já existem, como o aumento do salário mínimo nacional, e centra-se muito nas questões ambientais.
No que diz respeito à direita, houve um naufrágio. No PSD, Rui Rio é uma pessoa de valor, que fez um bom trabalho no Porto e fez o trabalho possível neste momento no PSD. Teve e tem sempre lutar contra aqueles que, dentro do seu próprio partido, o querem ver dali para fora. Isso custa, porque o PSD é um ninho de gatos, onde todos têm as unhas afiadas para atirarem-se uns aos outros. O PSD, se tivesse ficado com outro líder da equipa de Passos Coelho, teria um resultado pior que o actual. Rui Rio mexeu com muitos interesses instalados, com lugares garantidos, com nomeações já pré-seleccionadas, com cadeiras destinadas, com promessas e dádivas já acordadas, e isso tem um preço, num partido completamente dividido como o PSD. Mesmo assim, não conseguiu impedir tudo, nomeadamente na escolha dos candidatos, que estes fossem em lugares elegíveis, porque a máquina acaba sempre por funcionar. Mas fez o que podia.
O CDS foi o grande derrotado da noite. Assunção Cristas esteve bem ao sair, mas esteve mal ao não perceber que isto que aconteceu era previsível, e um grande político é aquele que consegue perceber as coisas antes delas acontecerem, e ela não foi capaz. O CDS há muito que detinha um discurso inflamado, de ataque vazio à esquerda, em certos momentos, sem qualquer tipo de nexo e parece que não conseguiam vislumbrar a realidade à sua volta. Por exemplo, lembrar nas eleições europeias, o discurso de Assunção Cristas e o seu candidato, sempre no ataque, no aproveitamento político, sem tomar posição sobre temas importantes do país, revelava que as coisas já não estavam bem. E a colagem ao PSD, sempre deixando no ar possíveis acordos e candidaturas conjuntas, demonstrou e foi sinónimo de fraqueza e esgotamento político.
O Iniciativa Liberal foi outro dos vencedores, ao eleger um deputado. Um partido que pretende ganhar o espaço do CDS, mas que duvido que apenas assim seja, pois a crescer, levará também muitos sociais democratas.
O CHEGA foi outros dos vencedores, ao eleger um deputado. Aqui há um certo medo, mas parece exagerado, porque estará sozinho. Mas, se analisarmos no seu conjunto, acho que, independentemente de, como a maioria, não me rever nas suas políticas (algumas completamente descontextualizadas da realidade e do século XXI), há coisas positivas que poderá trazer, como por exemplo, a denúncia dos vícios típicos de um sistema político tradicional sem mudanças há 40 anos, e se hoje chegam à Assembleia da República, é também pela fraca linhagem política dos partidos tradicionais, incapazes de convencer os portugueses.
A Aliança foi um dos derrotados, porque não conseguiu eleger o seu líder Santana Lopes. Acho que faltou ideias novas e transformadoras ao partido, e, acima de tudo, faltou um distanciamento do PSD nessas mesmas ideias, que não passaram para os portugueses. Santana Lopes merecia mais, e, em comparação com alguns que entraram, é injusto, porque a sua imagem política não condiz com a pessoa que é. Basta ver o que fez pelos sítios por onde passou. É de enaltecer a sua coragem, e é pena que não tenha sido eleito. Depois disto, fica difícil.