Jacques de Larosière, Director do FMI de 1978 até 1987
"Caro Sr. de Larosière
Nos últimos dois anos, o défice das operações correntes da balança de pagamentos de Portugal detriorou-se para um nível claramente insustentável a médio prazo. Esta deterioração constitui, em parte, o reflexo de factores fora do controlo das autoridades portuguesas, incluindo a recessão internacional e as altas taxas de juro no estrangeiro. Outros factores importantes foram também a manutenção de uma taxa de crescimento da procura interna substancialmente mais elevada que nos outros países e a ausência de adequada flexibilidade nas políticas de taxas de juros e cambial. Por último, a balança de pagamentos continuou a ser afectada por sérios problemas estruturais, incluindo a elevada dependência em importações de energia e produtos agrícolas, e uma de exportações relativamente estreita.
A escalda do défice de operações correntes, que cresceu de um nível equivalente a cerca de 5 por cento do PIB em 1980 para 11 % em 1981 e 13 % em 1982, resultou num acentuado aumento da dívida externa e do peso do seu serviço, que atingiu 27% das receitas de divisas em 1982. O Governo reconhece que, em especial na presente situação dos mercados internacionais de capitais, a persistência de elevados défices nas operações correntes da balança de pagamentos conduziria a sérias dificuldades de financiamento e a grandes perdas de reservas internacionais do país. Por conseguinte, considera altamente prioritária a redução do défice das operações correntes para 2 mil milhões em 1983 e para cerca de 1 mil milhões em 1984".
Esta foi a carta de intenções endereçada ao Fundo Monetário Internacional a 9 de Setembro de 1983, pelo Governo de bloco central Português, do PS de Mário Soares e do PSD de Carlos Mota Pinto. A verdade é que qualquer semelhança com o Portugal de hoje é mesmo mera coincidência, porque esta crise que começou em 2008 foi mais profunda. Mas, no acordo conseguido, um empréstimo no valor de 750 milhões de dólares, constava do documento redução de salários da Função Pública, subida dos preços de bens essenciais, congelamento de investimentos públicos, aumento de impostos, cortes nos subsídios de Natal e desvalorização do escudo. Talvez a única não replicada tenha sido a da "desvalorização da moeda", porque não é possível. Após percebermos algumas das medidas tomadas em 1983, podemos encontrar semelhanças, não na dimensão do problema, mas na receita para atacar o problema, o que revela que mudaram-se os tempos, mas mantiveram-se as vontades.