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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Médicos de Família

 








   Incentivos para médicos de família que aceitem ficar com mais doentes? Um médico de família ficar com 2500 utentes, quando o limite de 1900 utentes atribuído em 2012 já tinha sido aceite em regime excepcional? 
   A primeira coisa que me vem à cabeça é "disparate". Aliás até custa acreditar, porque sem dúvida que Paulo Macedo é um dos bons ministros do Governo e uma pessoa competente, que aqui, infelizmente, e perante o que se sabe, teve uma medida infeliz.
   Em primeiro lugar, incentivar os médicos de família atuais a aumentar as suas listas de 1900 para 2500 utentes, recebendo mais €741 euros brutos, quando no país temos médicos jovens a necessitar de encontrar a sua vaga de emprego (e se não existissem, crie-se mais vagas nas universidades de medicina), parece-me um erro. Aliás, esta ideia de sobrecarga de horários, juntamente com a ideia das horas extraordinárias e até da "acumulação" de funções representa bem uma forma de governar que foi característica de uma/umas certas gerações no nosso país, e que parece não ser abandona e ter resistências intemporais.
   Em segundo lugar, acho que quem trabalhou nesta medida, esqueceu-se do papel do médico de família e da sua limitação de funções, que tem acentuado e baixado significativamente a sua eficácia médica, ou seja, a fraca qualidade de muitos médicos de família. Hoje, e à medida que a medicina foi evoluindo, o papel do médico de família diminuiu, e, infelizmente, muitos serviços não souberam adaptar-se a essa mudança, talvez pelo, de sempre, problema principal: dinheiro. O ponto de partida deve ser sempre o paciente, e se queremos uma abordagem centrada na pessoa e orientada para o indivíduo, aumentar o números de utentes não irá melhorar o serviço, pelo contrário, irá piorar. Hoje, já se pensou porque razão muitas das pessoas que têm médico de família, não recorre a este quando tem um problema de saúde (existe muita gente que não o faz) ? E se tiver um problema, já se pensou se existem mecanismos práticos de os próprios clínicos saberem orientar o paciente aquando da sua própria limitação clínica ? Já se pensou porque muita gente só recorre ao médico de família para aspectos passar receitas ou outros aspectos de formalidade médica? Já se pensou porque razão numa consulta de medicina familiar cada vez há menos comunicação com o doente? Já se pensou porque razão há cada vez menos interacção entre o médico e o paciente? Já se pensou porque razão a opinião do clínico já não é vista como sacrossanta? A medicina familiar acompanhou e adaptou-se a essa mudança de opinião? O papel do médico de família é um papel importante na comunidade, mas só será eficaz se for avaliado e adaptar-se à mudança e evolução com qualidade e orientado para o paciente. Haverá poucas dúvidas de que, se a qualidade continuar a cair e o papel do médico de família não mudar, principalmente na adaptação a esta nova autonomia do paciente no seu processo de decisão clínica e tomada de decisões, as pessoas cada vez mais continuarão a instrumentalizar o seu médico de família, e, nos casos em que tiverem possibilidade, deixarão mesmo de recorrer a este.
   Em terceiro lugar, a questão do próprio incentivo em si e de uma espécie de gratificação por ter mais consultas ao final do dia, quando isso em nada significa qualidade, é um retrocesso. Aliás, imaginem uma pessoa que está a passar mal, vai ao médico e o médico precisou de estar ali com ela 2 horas, será justo não premiar este médico, quando ele esteve a fazer seu trabalho e teve ajudar o doente ? E vai-se premiar outro porque deu consultas a um ritmo épico, umas 50/60 por dia, mas não conseguiu ser competente e cumprir com os objectivos da medicina familiar, nem com o seu papel enquanto médico de família. Não me ocorre outra palavra a não ser "disparate".
    Por vezes há medidas que mais valiam nem sair do papel, e esta é uma delas, que, para sermos justos, nem ao papel devia ter chegado.