Pesquisar neste blogue

sábado, 25 de abril de 2020

Liberdade





"À 1h 30 m da manhã do dia 30 de Março fui acordado por violentas pancadas na porta, que logo identifiquei como sendo a polícia. «É agora» disse para comigo ao abrir a porta para encarar meia dúzia de agentes armados. Viraram a casa de alto a baixo, apreenderam todos os papéis que encontraram, incluindo as transcrições que eu andava a fazer das histórias da família e da tribo contadas pela minha mãe. Nunca mais lhes pus a vista em cima. Fui detido sem mandado e não me deixaram contactar o advogado. Recusaram-se a informar a minha mulher sobre o local para onde me levavam. Limitei-me a acenar-lhe com a cabeça, não era momento para palavras de conforto. Fomos metidos num pátio acanhado onde só tínhamos o céu por tecto e uma lâmpada fraca para nos iluminar , um espaço tão pequeno e tão húmido que ficámos de pé durante toda a noite. Às 7h 15 m  fomos levados para uma cela minúscula com um único buraco no chão a servir de sanita e que só podia receber água do exterior. Não nos deram cobertores, comida, esteiras ou papel higiénico. O buraco estava quase sempre entupido e o fedor dentro da cela era insuportável. Apresentámos vários protestos, um deles por causa da falta de comida.".

 Nelson Mandela - "Um longo caminho para a liberdade" (página 231)

25 de Abril de 2020



Depois de tanta confusão e desinformação, foi possível celebrar o 25 de Abril no meio desta pandemia de Covid-19. Tive oportunidade de assistir à cerimónia em casa e sem dúvida que Marcelo brilhou e elevou o sentido e significado do dia. Tristes aqueles que numa luta desenfreada pela sobrevivência política, tentaram menorizar e até em algumas situações pontuais "ridicularizar" o dia, justificando tudo com a cerimónia. Assistir a discursos como de Telmo Correia ou de André Ventura foi triste e revelador de um populismo calculista, planeado e pouco genuíno de quem "pega" em qualquer coisa que possa mexer para ter palco político. Esta colagem do CDS ao Chega pode ser o princípio do fim de qualquer coisa se nada for feito para evitar um certo colapso intelectual do partido.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Dívida pública como problema intergeracional




Estamos perante um dos maiores desafios da história e será vital não cometer erros passados, sob pena de onerar as gerações futuras. A União Europeia continua estática na ajuda aos países, não havendo a solidariedade que devia existir num momento extraordinário como este que o mundo atravessa. Portugal deve discutir a questão da dívida pública para não voltar a contrair dívida impagável e não tomar decisões erradas. Seria importante haver um debate público sobre a questão e haver uma clarificação exaustiva sobre o tema na sociedade. A austeridade passada não resultou mas restam poucas alternativas ao aumento de impostos para combater a dívida pública. Em 2015, esta era 90% do PIB. Desde de 1970 (onde era 25% do PIB) esta não parou de crescer, tendo sido agravada com a crise financeira de 2008. Mas com estas duas crises em tão pouco tempo, não haverá gerações que têm sido constantemente oneradas com esta dívida pública? Como podem estas gerações evitar onerar as gerações seguintes se estas já estão completamente oneradas e sem grande válvula de escape para evitar tal oneração futura?

terça-feira, 21 de abril de 2020

Covid-19 - Sinais de contrariedade




A polémica do 25 de Abril (celebrações) advém, mais uma vez, de alguma desinformação. Surpreendentemente houve aproveitamentos políticos em torno de uma não questão. A celebração do 25 de Abril nunca deve estar em causa. Outra coisa é o número de deputados e convidados presentes que vão estar reunidos para celebrar a data na Assembleia da República (A.R) e a sua celebração no modelo tradicional. Embora a A.R tenha estado com muitos deputados nas suas sessões plenárias e nem sempre tenha cumprido com as medidas extraordinárias. Basta lembrar o episódio em que Rui Rio levantou-se da sua bancada parlamentar para sair, dando exemplo aqueles que não cumprirem e estiveram presentes.  O sinal dado de convidar um número elevado de pessoas para celebrar o 25 de Abril na A..R pode ser de contrariedade em contraponto com as medidas extraordinárias já decretadas pelo estado de emergência se não for explicado com o devido cuidado (evitando aglomerados e mudando o modelo de celebração) e criar clivagens com a população que podiam ser perfeitamente evitáveis. 

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Covid-19 - Norte




A TVI atingiu o norte e suas gentes ao afirmar que é população mais afectada pelo Covid-19 por ser pouco educada e pobre. E doeu porque aqui existe alma, existe paixão e existe um grande amor pela identidade de cada região, pelo cheiro de cada distrito e solidariedade de cada aldeia. É uma tremenda injustiça e infelicidade tal declaração e a diferença está no facto de uma pessoa do norte não ser capaz de proferir idêntica declaração sobre Lisboa: exactamente pela educação. E uma pessoa do norte também não seria de capaz de discutir se a sua região era mais pobre ou menos que a outra. Não o faria, mas preocupava-se em tentar ajudar esses mesmo pobres. Não deixa de ser inegável que o norte é a região mais afectada, mas por outras razões, que até ao momento, até a própria razão desconhece. Há cheiros que indiciam caminhos e os aproximam de uma eventual descoberta da verdade.


Covid-19 - 16.04



Terá sido o momento para Donald Trump cortar com o financiamento à Organização Mundial de Saúde quando ao seu lado estão a morrer ao minuto milhares de cidadãos americanos? Entretanto na Polónia discute-se o aborto e o a criminalização da educação sexual nas escolas. E isto acontece em plena pandemia mundial, que está a levar e dizimar pessoas de todas as idades e classes sociais. Se pudesse hibernar como as tartarugas, era o que fazia neste momento. Talvez o acordar fosse diferente, na esperança de libertação, não apenas da pandemia, mas de lideranças políticas e reajustamentos intelectuais.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Covid-19 - Olhar a 1918


Francisco Marto e Jacinta Marto, vítimas da gripe espanhola


A casa de sarmento (pertencente à Universidade do Minho) disponibilizou uma publicação online e gratuito sobre a gripe espanhola de 1918. É muito interessante. É fácil perceber a inspiração actual de vários países, inclusive Portugal, em muitas soluções adoptadas no combate à gripe espanhola que matou aproximadamente 50 milhões de pessoas. Uma gripe que teve três vagas em Portugal: duas em 1918 e uma em 1919. Nitidamente existiu um avanço ao nível da medicina e resposta à crise sanitária, mas curioso que as reacções humanas são idênticas, o medo e o pânico são iguais à mais de 100 anos. A falta de prevenção e a tardia resposta do poder político foi uma das causas do descontrolo da epidemia. Em Espanha tornaram alimentos e medicamentos, por exemplo, mais acessíveis à população. A regulação do mercado, sobretudo a especulação é uma das falhas que tem acontecido em Portugal em pleno 2020 no combate ao coronovírus, onde verificamos que não existe uma disciplina e controlo (como deveria existir) na regulação de preços de produtos essenciais nem há um discurso severo para impedir os lucros com a desgraça alheia. Não se compreende como uma garrafa de gás continua a custar 27 euros quando em Espanha custa 14 euros. Não se compreende como é que uma máscara custa 10 euros, quando deveria custar 1 ou 2 euros. Não se compreende os preços dos frascos de álcool serem tão elevados. Não se compreende a subida de bens alimentares de primeira necessidade para o dobro e alguns casos quase para o triplo em determinados estabelecimentos comerciais. Este é um dos focos de crescente e imparável desigualdade social. Portugal, em 1918, tinha o Dr. Ricardo Jorge como Director-Geral de Saúde, que dizia: "quando o mal vier, cama, dieta, tisanas e médico". Todas as medidas já tomadas pelo actual Governo de Portugal foram tomadas em 1918, mas mais tarde. E os tempos são diferentes, sendo que em 1918, já nos finais da primeira guerra mundial, o vírus deparou-se com uma população já debilitada, com carência de essenciais, um país rural e pobre, onde o problema da miséria era mais doloroso que a própria doença. Veja-se que houve distritos onde foi implementada a "sopa económica" para evitar a fome. Mas, num paralelo com a actual crise, esta também no passado, como todos os dados indicam para a actualidade, atingirá os mais frágeis e mais pobres. O papel do Estado agora e após a crise sanitária será fundamental para a sobrevivência social de milhares de famílias. Em Portugal há quem fale em 60 mil mortes e quem fale em 100 mil mortes causadas pela gripe espanhola. Só aprendendo com o passado, podemos pensar e antecipar o futuro.





Covid-19 - Liberdade





"Em 1980 foi-nos concedido o direito de comprar jornais. Foi uma vitória mas, como sempre, qualquer novo privilégio encerrava uma armadilha. O novo regulamento determinava que os reclusos da categoria A tinham direito a comprar por dia um jornal em língua inglesa e outro em africânder. Até aí, tudo bem. Só que se um recluso fosse apanhado a partilhar o jornal com outro que não pertencesse à categoria A perdia esse direito. Protestámos contra essa restrição, mas sem resultado. Recebíamos dois jornais diários, o Cape Times e Die Burger. Eram ambos conservadores, em especial o segundo. No entanto, os censores da penitenciária passavam-nos a pente fino e recortavam os artigos cuja leitura não consideravam aconselhável. Quando os jornais nos chegavam à mão vinham cheios de buracos. Em breve pudemos acrescentar-lhes exemplares do Star, do Rand Daily Mail e do Sunday Times, mas a censura a esses era ainda mais rigorosa".

 Nelson Mandela - "Um longo caminho para a liberdade" (página 472)

Covid-19 - 09.04




Grande entrevista de Rui Rio a Clara de Sousa na sic. Demonstrou que é um político diferente dos demais e não vive da vaidade personalista e típica da modernidade partidária. Tem sido exemplar na forma como não compromete os interesses do país em prol de sectarismos e superior no carácter e debate de ideias. Mesmo não conseguindo que propostas suas sejam aprovadas, não usa isso como arma de arremesso político. A política em democracia é esse debate de ideias. E a forma como tanto ele como António Costa têm sabido dividir e gerir isso tem sido um sucesso. Pelo menos até ao momento (ressalva). Há ideias do PSD que fazem pouco sentido, como do PS e outros partidos, mas a grandeza de carácter está aí: saber fazer essa divisão. Aniquilou de forma subtil a política de "berros" e das "marias madalenas partidárias" (no próprio partido) que escalavam uma forma de fazer política de requinte facial e desprezo intelectual, onde a melhor coscuvilhice era premiada. 

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Covid-19 - Ramalho Eanes




"Nós os velhos já passamos por isto e temos de dar o exemplo. Se chegarmos ao hospital temos de ceder o ventilador ao homem que tem mulher e filhos". A pergunta: quantos de nós, com a idade de Ramalho Eanes, estariam dispostos a oferecer o seu ventilador a uma pessoa mais nova? Isto é mais que um sentido de Estado, é uma moral e ética irrepreensível. Estamos a falar de alguém que abdicou dos retroactivos de uma reforma de general no valor de 1,3 milhões de euros por uma questão de princípio. E quando, com a recente crise económica sofreu cortes na reforma, disse: "não me importa que cortem a reforma se isso significar que não há pessoas a passar fome". Ramalho Eanes faz parte de um grupo restrito de políticos que merecem admiração, respeito e louvor. 

Entrevista Rtp 1 - 02.04.20 - https://www.youtube.com/watch?v=Cg6It60Yehk

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Covid-19 - E.U.A




E.U.A, Reino Unido e Brasil são a receita para o desastre no combate ao coronavírus. A resistência à ciência e a negação da evidência. É assustador, mas previsível o que está acontecer num país esplêndido como são os E.U.A. Foi confirmado um medo planetário: atravessar uma crise como esta sendo Donald Trump o presidente de todos os americanos. Foi uma luta contra a fatalidade. O resultado está à vista. Nas últimas 24 horas registaram-se mais mil mortos e teve de pedir ajuda à Rússia.   

Covid-19 - Liberdade





"Gostaria de te levar numa grande viagem, como fiz em 12 de Junho de 1958, só que desta vez preferia que estivéssemos sozinhos. Estou há tanto tempo longe de ti que quando regressar quero levar-te para longe desta atmosfera sufocante, conduzir cautelosamente contigo ao meu lado, para que tenhas oportunidade de inspirar o ar fresco e limpo, ver os lugares maravilhosos que há na África do Sul, o verde das campinas e das florestas, as flores selvagens multicolores, as torrentes impetuosas, os animais a pastar no veld, e falarmos com as pessoas simples que encontraremos pelo caminho. A nossa primeira paragem será no lugar onde Ma Radebe e CK (mãe e pai de Winnie - mulher Nelson Mandela) descansam. Espero que estejam lado a lado. Teria então oportunidade de apresentar os meus respeitos àqueles que tornaram possível ser tão livre e tão feliz como sou neste momento. É possível que daí tenham início as histórias que ando há tantos anos para te contar. Talvez a atmosfera do lugar te aguce o ouvido e me faça concentrar nos aspectos mais saborosos, edificantes e construtivos. Em seguida iríamos visitar Mphakanyiswa e Nosekeni (os meus pais), onde o ambiente será semelhante. Creio que ao regressarmos ao 8115 nos sentiríamos frescos e revigorados". 

 Nelson Mandela - "Um longo caminho para a liberdade" (página 466)

Covid-19 - Estado de Emergência

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Um longo caminho para a liberdade


"Para quem está na prisão o tempo parece nunca mais passar, mas o mesmo não acontece com os que estão cá fora. Esta realidade saltou-me os olhos quando recebi a visita da minha mãe, na Primavera de 1968. Já não a via desde a conclusão do Processo de Rivónia. As mudanças ocorridas a pouco e pouco e quando vivemos entre a família mal damos conta delas. Mas quando não se vê alguém durante muito tempo, a transformação pode ser um choque. De repente, a minha mãe pareceu-me muito velha. Já não via o meu filho e a minha filha desde antes do julgamento. Entretanto tinham-se tornado adultos, a crescer sem mim. Mas embora tivessem crescido, creio que os tratei como se fossem as mesmas crianças que tinha deixado quando fora encarcerado. Eles tinham mudado, mas eu não".

Nelson Mandela - "Um longo caminho para a liberdade" (páginas 418 e 419)


Covid-19 - Esquecidos




As crises têm um efeito devastador naqueles com pouca capacidade económica: anula essa pouca capacidade existente e torna-os automaticamente indigentes na sociedade. Em 2008, a crise económica agravou problemas estruturantes da sociedade portuguesa, que vinham acentuar-se com o tempo, como por exemplo, a falta de emprego. E a resposta do Estado, ao nível de políticas de emprego público (por exemplo, os estágios para os jovens) foi ineficaz e de curto prazo, não resolvendo em nada o problema. Aqueles que não tinham emprego, a par daqueles que perderam o emprego com uma idade avançada (onde existe maior dificuldade de inserção laboral - ex: a partir dos 40 anos) e os idosos de baixa condição social foram esquecidos e atirados para o limiar da pobreza, tendo muitos não aguentado e descendo abaixo desse limiar, passando fome, perdendo a sua dignidade humana. É preciso evitar novamente a suspensão da dignidade humana de qualquer pessoa, seja qual for a sua condição social. Mas há algo inquietante que é ininteligível mas para alguns parece facilmente inteligível: porque é que os mais pobres não estão em primeiro lugar?